Armaduras

Desde que pisara em Noritvy, duas coisas fascinavam o jovem João, ou como era conhecido por lá, Johan, então um jovem de quinze anos: as armaduras de seu pai e de sua mãe: a armadura conhecida como “Cavaleiro Branco”, usada por seu pai e a armadura conhecida como “Dama Vermelha”, usada por sua mãe. Ambas eram de uma liga metálica prateada tão clara que parecia quase branca, uma com detalhes discretos azuis e a outra com detalhes discretos vermelhos.  

Ele já havia perguntado para sua irmã mais velha, Gabriela, ou como era chamada por lá, Galawel, qual o segredo da resistência e da cor delas, mas a irmã também desconhecia, só afirmando que ninguém até hoje tinha conseguido repetir a liga, nem mesmo o tio deles, Sieg, um grande ferreiro casado como uma poderosa feiticeira. Ela o aconselhou a perguntar ao pai deles pois ele provavelmente saberia.

Um dia, depois de um treino de espadas, o rapaz finalmente perguntou.

– Pai?

– Fala filhote.

– Qual a origem da sua armadura?

– Como assim?

– É que tanto ela quanto a da mamãe são feitas de um material fora do comum. A Gala já me falou que é de um material único, que nem o tio Sieg, com a ajuda da tia Lili consegue reproduzir. Mas que material é esse?

– Bem, filho, você está lembrado que existem os reis dragões, os governantes das raças de dragões que aqui habitam, certo?

– Claro, eu até conheci dois deles, Greener e Raio Azul. Mas o que isso tem a ver?

– Calma, já chego lá. Raio Azul é o único rei dragão original vivo e provavelmente o mais velho ser vivo racional da história desse mundo. Na época que Drak, o rei dos dragões negros, foi destruído, havia um outro rei dragão original vivo, no caso uma rainha, Alvia, a rainha dos Dragões Brancos. O atual rei dos dragões brancos é neto dela.

– Tá pai, mas o que isso tem a ver com a sua armadura?

– Ô garoto apressado… – riu Lucca. – Pois bem, Alvia era famosa por duas coisas: o seu imenso amor pelos seres vivos, por todos os seres vivos, e por suas escamas, ditas as mais resistentes de todo o mundo. Costumava-se dizer que nada no mundo era capaz de penetrá-las. Alvia era uma grande amiga do lendário mago Greyhund. Quando ela soube do plano dele de trazer meu trisavô Genaro para cá, ela, ciente das habilidades alquímicas do Greyhund, ofereceu a ele algumas de suas escamas para ele usar na hora da confecção da armadura. Greyhund fundiu elas com aço e prata para criar a liga usada na minha armadura. Depois que Genaro se casou, Greyhund resolveu fazer uma armadura para a esposa dele e usou algumas escamas que haviam sobrado para fazer esta.

– É por isso que a liga da armadura não pode ser reproduzida? Porque a Alvia já faleceu?

– Não, na verdade o maior impedimento é fundir um material orgânico, no caso as escamas, com dois metais. Aliás, é por causa das escamas presentes na liga, que torna está parcialmente orgânica, que tanto a minha armadura quanto a da tua mãe se moldam ao corpo do usuário, como se fossem vivas. Ah, é por “culpa”, por assim dizer, das escamas, que o usuário da minha armadura tem que fazer o voto de não matar, é como se a armadura carregasse consigo o amor de Alvia pelos seres vivos.

– Ué, mas a da mamãe não está presa por tal voto, está?

– Não, não está.

– Por quê? Não são feitas da mesma liga?

– Não exatamente, a minha tem um teor de escamas um pouco maior na mistura, o que faz dela ligeiramente mais resistente e tendo esse voto ligado a ela.

– Legal. Agora, pai, posso fazer outra pergunta?

– Claro.

– Se as escamas da Alvia eram assim tão impenetráveis, se os dragões, segundo eu aprendi, dificilmente ficam doentes, como ela morreu?

– Bem, filhote, ela tinha o hábito de viajar por aí disfarçada como humana, conversando com as pessoas, provando comidas e aproveitando a vida, como ela gostava de dizer. Um dia ela viu uns animais feridos, presos em armadilhas preparadas por caçadores. Ela não relutou e foi ajudá-los. Enquanto ela, distraída, soltava os animais e curava os ferimentos deles, um caçador se aproximou por trás, silenciosamente, e, achando que era apenas uma maga enxerida, ele a atravessou por trás com uma lança, penetrando o coração dela. Como ela se encontrava na forma humana, a lança conseguiu atravessá-la com certa facilidade e como esta acertou o coração, ela morreu na hora, sem poder reagir. Ou assim me foi contado, pois ela morreu muitos séculos antes de eu nascer.

– Que triste.

– Exato, o neto dela, que a sucedeu no trono, quase surtou, queria devastar a região, mas Greener e Raio Azul o contiveram e fizeram ele desistir da ideia de declarar guerra à humanidade.

– E o que aconteceu com o assassino dela?

– Seu tio Sieg, na época, um jovem de cinquenta anos, ao menos jovem para os padrões élficos, foi encarregado pelo seu tio avô Tiron de caçá-lo e levá-lo à justiça, custasse o que custasse.

– O tio avô Tiron o encarregou de caçar o assassino? Isso quer dizer que ela foi morta…

– Em Arlon, isso mesmo.

– E o tio Sieg teve o sucesso?

– O que você acha? Claro que teve.

– Pergunta boba a minha. E que fim levou o caçador?

– Embora a pena capital raramente seja aplicada em Arlon, o fato dele ter matado uma pessoa covardemente por trás e a necessidade de dar uma resposta que agradasse aos dragões levaram ele a ser executado na forca.

– Credo. Embora ele tenha merecido, né pai? Não por ela ser uma rainha boa e tudo mais, mas só pelo ato covarde. Afinal que espécie de monstro mata uma pessoa por trás só por que esta está ajudando animais indefesos?

– Eu concordo contigo, filho, ele mereceu o que recebeu.

– Pai, posso fazer uma terceira pergunta?

– Faça, filhote, faça – sorriu Lucca.

– Será que um dia o tio Sieg me faz uma armadura tão legal quando a sua? Não precisa ser igual nem exatamente tão resistente quanto, até porque pelo jeito é impossível, mas se fosse parecida eu já acharia legal.

Lucca começou a gargalhar diante da pergunta do filho.

– Quem sabe um dia, filhote, quem sabe um dia… – falou ele enquanto bagunçava os cabelos do garoto. – Agora vamos tomar um banho que ambos estamos precisando.

– Ok.

Pai e filho juntaram suas coisas e tomaram o rumo da ala residencial do castelo de Erdan.

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